Pelo menos 26 pessoas que estavam em condições análogas à escravidão foram resgatadas em Serafina Corrêa, durante ação do Ministério Público do Trabalho. De acordo com as informações, as vítimas trabalhavam na apanha de frangos vivos em granjas e fazendas fornecedoras do produto a um frigorífico da região. A ação ocorreu entre os dias 11 e 15 deste mês.
As vítimas teriam sido atraídas por uma propaganda em uma rede social onde uma empresa terceirizada, situada em outra cidade da região Sul estaria recrutando trabalhadores para atuar no setor de abastecimento de frigoríficos na Serra Gaúcha.
Um dos trabalhadores, um homem de 47 anos, morador do Paraná, se candidatou a vaga. Ele estava sem trabalho desde que foi demitido da função de metalúrgico. Embarcou para o Rio Grande do Sul no início de julho e viu-se em uma situação de trabalho análogo à escravidão. “Foi um processo de seleção ilusório. Foi oferecida alimentação, alojamento, tudo por conta do empregador, a gente se deslocou para o município da agência que estava intermediando e que estava cobrando R$ 500 por cabeça para indicar os candidatos à vaga. Chegando no Rio Grande do Sul, descobrimos que iam nos cobrar tudo isso, descontado do salário” – conta ele.
Participaram da força-tarefa, Ministério Público do Trabalho (MPT); Ministério Público Federal (MPF); Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Previdência (SIT); Polícia Federal (PF); Defensoria Pública da União (DPU); e Polícia Rodoviária Federal (PRF).
No total, foram executadas 105 ações contra o trabalho escravo em 23 estados. Conforme o MPT, os resgatados eram todos homens, a maioria oriunda de outros estados, como Bahia, São Paulo e Paraná. Havia também entre os trabalhadores dois paraguaios.
Ao chegarem ao Rio Grande do Sul, descobriam que o valor da passagem que os havia trazido de seus Estados de origem seria descontado de seus salários, bem como o aluguel do alojamento, consistente em cômodos que comportavam em torno de três trabalhadores, em condições inapropriadas, sem móveis suficientes para todos, sem roupa de cama, com fiação elétrica exposta e existência de mofo. A alimentação era fornecida por meio de vale-compras, os quais eram aceitos em um único mercado da cidade. “Tudo era pago pelo funcionário, de alimentação, alojamento e despesas adicionais. Foi dito no anúncio que seria por conta do empregador. Quando chegamos no RS, não era. A princípio ele pagava o valor, mas descontava em folha de pagamento todas essas despesas. Como só podíamos comprar num supermercado, os preços eram muito altos, como R$ 16 por uma lata de óleo – conta o resgatado.
A situação dos dois trabalhadores paraguaios era ainda pior do que a dos demais. Além de estarem em situação irregular no país, eles estavam alojados em uma casa sem água quente para o banho, sem vidros em algumas janelas, inclusive no banheiro, onde também não havia porta, em uma localidade que registra baixas temperaturas nesta época do ano. Além das péssimas condições de alojamento e dos descontos que praticamente deixavam pouco ou quase nada a receber, os trabalhadores eram também submetidos a uma carga estafante de um trabalho particularmente pesado.
Conforme os resgatados, as atividades eram realizadas sem todos os equipamentos de proteção individual (EPI) necessários, sendo que o próprio uniforme de trabalho, incluindo botas, também era cobrado dos trabalhadores.
Após o resgate, em atuação conjunta do Ministério Público do Trabalho e da Defensoria Pública da União, foi firmado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o proprietário da empresa fiscalizada – o mesmo empresário era responsável por quatro empresas prestadoras de serviços de apanha. O TAC estabelece para todo o grupo econômico obrigações de fazer e de não fazer com vistas à regularização das contratações, a impedir a continuidade dos descontos ilegais e à manutenção de alojamentos em condições adequadas.
O termo também impôs ao compromissário o pagamento total de R$ 92.258,26 em verbas rescisórias para os trabalhadores, referentes ao período trabalhado e aos descontos e outros R$ 114 mil a título de danos morais individuais – cada trabalhador recebeu como dano moral entre R$ 4 mil e R$ 6 mil (o ex-metalúrgico recebeu R$ 4 mil).